segunda-feira, 28 de junho de 2010

A família segundo o coração de Deus.




Bispo Josué Adam Lazier



REFLETINDO SOBRE OS DESAFIOS E AS POSSIBILIDADES DA FAMÍLIA HOJE 
(1)

Introdução

Vivemos num tempo em que o “descartável” ganhou espaço e lugar em nossa sociedade. Muitas coisas vão se tornando descartáveis e, na esteira desta filosofia, valores e relacionamentos, entre eles os familiares, se fragilizam. A família tem sofrido transformações para se adaptar à sociedade que também se transforma, muitas vezes por influência de uma “filosofia do descartável”. Estas mudanças se tornam prejudiciais à vida social e familiar quando princípios, valores, ética e dignidade são afetadas.

Neste sentido, falar da família é falar de todos nós. É falar de dilemas, de desencontros, de dificuldades, de sentimentos e afetividade. É falar também de realização, encontro, sonhos, ideais, desafios e oportunidades. A família sempre nos desafia e nos convida à responsabilidade e ao convívio com pessoas que são diferentes de nós.
A família é um tema sempre presente nas Sagradas Escrituras. Em cada período da história bíblica a família vivencia uma determinada situação. Por exemplo: Período das tribos - A família era a base das tribos. Tudo girava em torno da família. Os laços familiares eram muito valorizados e os filhos eram considerados herança de Deus. Não existia uma família mais pobre e outra mais rica. O clima entre as tribos era de solidariedade. Antes da posse da terra costumavam acampar no deserto em um grande círculo, de tal forma que as famílias da tribo fossem protegidas e as tribos estivessem em segurança. O povo tinha um cuidado enorme com as mulheres e os filhos.
A família é um projeto de Deus
O Antigo Testamento se inicia quando a primeira família é criada por Deus (Gn 2.26-27) e quando Deus dialoga com o primeiro casal (Gn 3.9-10) e termina chamando as famílias para uma reconciliação - Ml 4.6: “E ele converterá o coração dos pais aos filhos, e o coração dos filhos a seus pais...”.
(2)
O Novo Testamento se inicia contando a história de uma família que aguarda um filho que, pelas indicações dos acontecimentos, seria muito importante (Mt 1.18-25). O filho nasce quando a família está em viagem e o único lugar que encontram para acolher a criança é uma manjedoura. Termina com a figura da esposa e do esposo que se comunicam com a palavra de convite “Vem” (Ap 22.17). (3)
A família é uma comunidade de companheirismo
Deus criou o homem e a mulher que foram chamados de ishah (varoa) e ish - (varão). Estas duas expressões hebraicas têm o sentido de companheiro e companheira e indica a identidade do homem e da mulher: companheiros um do outro. Esta era a condição do homem e da mulher no Plano Original de Deus.

Deus criou a família para a realização, felicidade e companheirismo. É na família que a pessoa encontra o apoio, a ajuda, a solidariedade, a compreensão e a comunhão. O companheirismo é um exercício que precisa ser praticado em todos os dias da vida da família. Companheirismo é dividir os problemas e saber entender as angústias e as lutas dos outros. Companheirismo pode acontecer no dia a dia dos membros da família, nas tarefas domésticas, nos afazeres, nas responsabilidades que cada um tem, etc.
Assim, os membros da família são companheiros de oração, de sonhos e esperanças, de jugo, de vocação, de comprometimento com o Evangelho de Jesus Cristo, de cuidado uns com os outros, de zelo pelos valores da família, etc. São companheiros no enfrentamento das lutas e dificuldades da vida e na realização dos ideais de cada um. O companheirismo satisfaz, trás felicidade e leva à maturidade na vivência conjugal e familiar.
A família é uma comunidade de amor
O amor é uma palavra que tem muitos significados e que diz muitas coisas. É necessário defini-lo muito bem. Há uma diferença considerável entre gostar e amar. Estas duas palavras “não são sinônimas. Nem na gramática, nem na psicologia, nem vida”. 
(4) João Mohana, um terapeuta familiar, dá a seguinte definição para gostar e amar: “gostar é uma sensação em que o Eu se antepõe ao Tu. Amar é um sentimento em que o Eu se pospõe ao Tu”. (5)
O amor é mais que um sentimento que muitos esperam durar a vida inteira, como sentimento apenas. O amor para ser eterno necessita que os cônjuges queiram amar. Para muitos o amor acabou porque não houve o querer amar. Está no coração do homem e da mulher essa capacidade de decidir amar e de recusar o amor. (6) Portanto, o amor é também uma decisão. Muitas famílias alcançarão a felicidade quando os cônjuges decidirem que vão se amar. Esta decisão atribui honra a família. “A família cristã é toda tecida de amor. Não se concebe família cristã que seja formal. O casal cristão respira a atmosfera de amor... Uma vida familiar cristã é fonte de educação para o amor”. (7)
Com o amor vem o respeito. Respeitar significa tratar com reverência; ter em conta; considerar; dar apreço a; reconhecer; referir-se.(8) “Sem respeito bilateral, o amor perde a beleza, a dignidade; Sem respeito bilateral, o amor perde a confiança, a construtividade; Sem respeito bilateral, o amor perde a alegria, o prazer; Sem respeito bilateral, o amor frustra, não compensa; Sem respeito bilateral, adeus paz dos que se amam, adeus perenidade do amor”. (9)
A família é uma comunidade educadora
A educação começa no âmbito da intimidade doméstica: “E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração; e as ensinarás a teus filhos, e delas falarás sentado em tua casa e andando pelo caminho, ao deitar-te e ao levantar-te” - Dt 6.6-7.

A primeira responsabilidade dos pais, na tradição do povo de Deus no Antigo Testamento, era a de contar as coisas realizadas por Deus e ensinar aos filhos os mandamentos. Isto deveria ser feito no contexto do lar: sentado ao redor da mesa, andando pelo caminho, ao deitar e ao levantar. Ou seja, a educação deveria estar presente em todos os momentos da vida do lar.
Educar tem o mesmo sentido de “dar o alimento” para a criança, ou seja, da mesma forma que os pais alimentam seus filhos, devem educá-los. A educação deve começar em tenra idade. “Ensinar cedo é gravar no mármore, ensinar tarde é escrever na areia”, frase de Francisco de Oliveira, em 1 de novembro de 1878. (10)
Comenius, pastor e bispo moraviano, além de escritor, educador e cientista, que viveu no século XVII e publicou uma obra chamada Didática Magna, é considerado o pai da didática moderna. Neste livro ele aborda a importância da educação na infância e na juventude. Para ele, os pais devem ser os primeiros a se responsabilizarem pela educação de seus filhos e afirma: “[...] tendo sido autores da vida, devem ser autores também da vida intelectual, moral e religiosa”. (11) Ele destaca que os pais devem educar os seus filhos pelo exemplo, que é mais útil do que as regras.(12)
Através da família alguns valores são transmitidos aos filhos, tais como: fidelidade; coragem diante das dificuldades da vida; paciência e tolerância; autoconfiança e certeza das qualidades próprias; humildade e respeito para com os interesses e idéias dos outros. “Não se educa deixando os filhos e os jovens entregues a seus caprichos e ao caos de seus desejos. Há orientações a serem mostradas para que as liberdades não venham a mergulhar na libertinagem”. (13)
Conclusão
Devemos considerar estes aspectos bíblicos e teológicos como os fundamentos da família. Esta família que revela o amor e a graça de Deus para todos os membros, independente das características e da estrutura familiar que se tenha. A família, como um projeto divino, é uma comunidade de graça para os que vivem os laços familiares.

CITAÇÕES:
1) Parte destas reflexões está publicada no livro: Lazier, Josué Adam Lazier. Quando a Família Acolhe a Graça. São Paulo, SP: Editora Cedro, 2004.
2) Lazier, Josué Adam. Família – Relacionamento Fundamental. Revista Kairós nº 1. Belo Horizonte, MG: Igreja Metodista – IV Região Eclesiástica, 1999, pg 25.
3) Lazier, Josué Adam. Família – Relacionamento Fundamental. Revista Kairós nº 1. Belo Horizonte, MG: Igreja Metodista – IV Região Eclesiástica, 1999, pg 25.
4) Mohana, João. Ajustamento Conjugal. São Paulo, SP: E. Loyola, 1994, pg. 168.
5) Mohana, João. Ajustamento Conjugal. São Paulo, SP: E. Loyola, 1994, pg. 168.
6) Mohana, João. Não basta amar para ser feliz no casamento. São Paulo, SP: E.Loyola, 1994, pg. 87.
7) Guimarães, Almir Ribeiro. Quando o assunto é a Família. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1994, pg. 32.
8) Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da Língua Portuguesa. Editora Nova Fronteira, verbete Respeitar.
9) Mohana, João. Não basta amar para ser feliz no casamento. Rio de Janeiro, RJ: E. Loyola, 1994, pg. 65.
10) Citado por Rita de Cássia Gallego. Tensões entre o tempo escolar e o social: a delimitação das idades para freqüentar o ensino primário e (re) definição dos tempos da infância (1850-1890). Trabalho apresentado à ANPED, em 2009.
11) Comenius, I. A. Didática Magna. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2006, p. 83.
12) Comenius, I. A. Didática Magna. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2006, p. 86.
13) Guimarães, Almir Ribeiro. Como vai a Família? Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1994, pg. 20.

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