terça-feira, 6 de julho de 2010

A Igreja que queremos


A nobreza da comunidade hermenêutica (At 17.1-15)
(Ao professor, teólogo e amigo, Dr. Juan Stam, com gratidão pelas suas
ricas orientações hermenêuticas)
Luiz Carlos Ramos
Introdução
Permitam-me recontar-lhes, resumidamente, a conhecida Parábola
dos urubus e os pintassilgos: Certa feita, os urubus tomaram
o poder na floresta e impuseram seu estilo de vida a todos os animais.
Sua culinária, sua moda, sua estética e mesmo suas preferências
musicais tornaram-se o padrão e a referência para todos. Os pintassilgos,
muito cordatos, esforçavam-se sobremaneira para corresponder
às exigências dos urubus. Entretanto, os pobres pintassilgos
não conseguiam se acostumar com o cardápio de carniça que deveria
substituir sua dieta de frutas, tão pouco conseguiam andar como os
urubus, reproduzir-lhe os requebros e os grunhidos que os urubus
chamavam de música. Observando os desajeitados pintassilgos, os
urubus concluíram sumariamente: “Não adianta. Um pintassilgo
sempre será um urubu de segunda categoria”.
Esta estória, escrita por Rubem Alves, demonstra muito bem
como todos nós procuramos modelos para pautar nosso estilo de vida.
E os há de toda espécie. Uns mais para urubus, outros mais para
pintassilgos. Obviamente, alguns desses modelos nos fascinam e
seduzem.
Entretanto, o povo chamado metodista tem nas Escrituras e no
testemunho dos primeiros cristãos o referencial para sua fé e para sua
prática. E esta é uma oportunidade privilegiada para refletirmos sobre
nossa identidade e decidirmos sobre a igreja que queremos. Um
slogan de fundo positivista, aludindo ao que é ou não possível, reza:
se podemos sonhar algo, então podemos realizá-lo! Se isso for verdade,
só poderemos construir a igreja ideal se, primeiro, pudermos
imaginá-la. Esta é nossa pretensão: a partir do texto lido, idealizar a
igreja da qual teríamos orgulho.
No texto de Atos 17, o autor deixa transparecer um juízo de valor
que apresenta a Igreja em Beréia como sendo mais nobre que a de
Tessalônica. Numa leitura atenta, podemos ver como a comunidade
de Tessalônica se mostrou invejosa, intolerante, violenta, incapaz de
fazer auto-crítica, hipócrita, incoerente, manipuladora, corrupta entre
outras “qualidades”. Tessalônica era a comunidade da qual teríamos
vergonha. Mas, a poucos quilômetros dali, uma outra igreja entrou
para a história, pela pena de Lucas, recebendo os elogios que toda
igreja gostaria de receber para si. Vejamos, então, quais as características
que fizeram de Beréia uma igreja mais nobre. Primeiramente,
Beréia era
Uma comunidade aberta
Uma igreja aberta é:
Dialógica: Beréia, ao contrário de Tessalônica, era uma comunidade
aberta ao diálogo, pois está registrado que ela acolhe Paulo e
Silas e se dispõe a conversar com eles (dieleksato). Em Tessalônica
havia ordens, leis e condenações. Em Beréia: conversa, diálogo e
respeito.
Ávida da Palavra: A comunidade de Beréia tinha sede da Palavra
de Deus encarnada (cf. v. 11b: “receberam a palavra com toda
avidez”). Em Tessalônica a Palavra de Deus era ocultada pela tradição.
Em Beréia a Palavra inovadora de Deus fecundava e dinamizava
a tradição.
Acolhedora do novo: Disposta a ouvir as novidades trazidas
pelos missionários, a comunidade de Beréia estava aberta a novas
experiências e a novos desafios (cf. v. 11b). Enquanto Tessalônica
prendia, torturava e expulsava seus profetas, a comunidade de Beréia
os acolhia, protegia e sustentava.
Mas, mais do que aberta, Beréia era
Uma comunidade madura
Uma igreja madura é:
Crítica (com senso crítico): Os bereianos e bereianas estavam
abertos para as novidades, mas sem ingenuidade. Queriam conferir
tudo nas Escrituras para ver se as cousas são de fato assim (cf. v.
11c). Se, por um lado Tessalônica rejeita, de saída, a mensagem dos
missionários, os bereianos estão longe de, simplesmente, engolirem
qualquer “sapo”. O grande cientista Karl Sagan costumava dizer:
“devemos ter a mente aberta, mas não tão aberta a ponto do cérebro
cair para fora”. Por isso a comunidade de bereia não vai atrás de
qualquer novidade, não se ilude com a moda religiosa, não se embriaga
com as novidades das paradas de sucesso, nem se deixa enganar
por eloqüentes animadores de auditório. Diante da novidade propõem:
“Vamos ver se as coisas são de fato assim, vamos conferir nas
Escrituras Sagradas”.
Atualizada (preocupada com sua “reciclagem”): A expressão
“dia-a-dia” mostra como eles liam e reliam as Escrituras aplicando-as
ao seu contexto e à sua vida, atualizando a sua mensagem para o dia
de “hoje”. A Palavra não foi feita para ser lida apenas, dizia um velho
pastor, mas para ser estudada. No início, nos alimentamos com
leite, mas depois precisamos de alimento sólido para crescermos em
estatura (quantidade) e graça (qualidade).
Constante (com uma fé que vai além do ritual formal do fimde-
semana): Enquanto os de Tessalônica só se reuniam nos sábados,
os bereianos viviam sua fé todos os dias. Tessalônica se ocupava das
Escrituras uma vez por semana, mas a comunidade de Beréia a vivia
todos os dias e buscava nas Escrituras a orientação necessária para
viver a vontade de Deus diariamente.
E porque era aberta e madura, Beréia era
Uma comunidade missionária
Uma igreja missionária é:
Ortoprática: A comunidade de Beréia não somente era ortodoxa
(conhecia sua tradição), era, também, ortoprática, i.e., todos viviam
de acordo com o que criam. Havia uma coerência e uma conseqüência
entre fé e prática (cf. vv. 12 e 14-15).
Organizada: Expressões como “promoveram sem detença...” e
“os responsáveis por Paulo levaram-no...” mostram como os bereianos
eram articulados, habilidosos, eficientes e ágeis na ação missionária.
Se tivessem uma estrutura excessivamente pesada, dependendo
de complicados conchavos políticos e intrincadas votações em onerosas
assembléias, talvez a missão de Paulo e Silas tivesse sido abortada
no capítulo 17 do livro de Atos.
Solidária: Diante da perseguição promovida pelos intolerantes
tessalonicenses, os bereianos não se eximiram de suas responsabilidades,
não lavaram simplesmente as mãos, antes, arregaçaram as
mangas para proteger, financiar e promover Paulo, Silas e Timóteo.
Assim fazendo, promoviam, em última instância, a própria ação missionária
da Igreja.
Conclusão
Afinal, que tipo de Igreja queremos ser? Qual a nossa mais legítima
identidade? Quando simplesmente copiamos estranhos modelos,
perdemos nossa identidade e passamos a ter vergonha do nosso
nome, mas se revitalizarmos nossa tradição à luz da Palavra de Deus,
teremos orgulho de sermos o que somos – e, talvez, descubramos,
afinal de contas, que não é tão ruim, assim, ser pintassilgo. A conversão,
verdadeiramente impressionante para nossos dias, seria a de nossas
comunidades serem menos Tessalônica e mais Beréia: Uma comunidade
que tem nas Escrituras Sagradas seu mais forte referencial.
Uma verdadeira e nobre comunidade hermenêutica: aberta, madura e
missionária.
Assim Deus nos ajude!

Nenhum comentário:

Postar um comentário