Adoro a sabedoria de Deus
Barbosa, José Carlos. Adoro a sabedoria de Deus. Itinerário de John Wesley, o
cavaleiro do Senhor. Piracicaba: Unimep, 2002
Paulo Bessa da Silva
Bacharel em Teologia e Psicologia
Mestre em Psicologia da Saúde
Assessor de Extensão da vice-reitoria acadêmica da Umesp
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Resenha
O
○ ○ ○
desafio que o autor se propôs não
é dos menores. Como se não bastasse
todo o trabalho de pesquisa que
teve de fazer sobre fatos marcantes da
vida de John Wesley, bem como o contexto
em que eles se inserem, José
Carlos Barbosa procurou registrar suas
seleções de forma a sensibilizar o coração
de pastores e pastoras dos dias
atuais. Seu propósito, pois, é apresentar
inspiração para os que buscam algum
tipo de referência na vida do
principal fundador do movimento metodista
na Inglaterra.
O autor revela, na Introdução, que
“conheceu” Wesley antes de conhecer
a Igreja Metodista, pois foi estudante
do curso de Comunicação Social na
Unimep numa época anterior à sua
entrada nos quadros metodistas e à
sua vocação pastoral. Esse relato parece
indicar o estilo que marcará o livro,
ou seja, o texto tem mais proximidade
com a organização de um
jornalista do que com métodos e procedimentos
próprios de um historiador,
quando este se dispõe a relatar
suas descobertas. Isto é, Barbosa não
tem como objetivo descortinar uma
apresentação acadêmica com análises
originadas em tratados sociológicos,
antropológicos ou psicológicos
a respeito de John Wesley. Seu
propósito é o de colaborar com outros
colegas de ministério pastoral,
na apreciação de situações vivenciadas
por Wesley, bem como alguns de
seus pensamentos acerca do tempo
em que viveu. Por isso mesmo, uma
organização cronológica da história
pode ser dispensada em favor de um
roteiro baseado em relatos de acontecimentos
sucedidos em um determinado
dia do ano, independentemente
do ano em que eles tenham
aparecido.
À semelhança do que ocorre com
a vida de celebridades contemporâneas,
que são alvo freqüente da curiosidade
alheia, a existência de Wesley
146
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
R e v i s t a d e E d u c a ç ã o d o C o g e i m e ○ ○ ○ ○ ○ ○ A n o 12 - n0 22 - junho / 2003
apresenta algum material para saciar
a sede dos que procuram por fatos
pitorescos. Barbosa não se furta a
apresentar alguns exemplos desses,
mas o faz de maneira respeitosa, interpretando-
os ou resgatando a interpretação
wesleyana de que eles ocorreram
de acordo com desígnios
divinos. O próprio título do livro,
“Adoro a sabedoria de Deus”, foi retirado
do registro de um dia em que
Wesley teria caído do cavalo, sendo
impedido de realizar algo que havia
planejado previamente, sem que, por
isso, tivesse ficado extremamente
frustrado. A sabedoria divina resulta
em ocorrências dolorosas para os seres
humanos, em algumas ocasiões, a
fim de que o resultado final seja favorável
à vontade de Deus. Há, claro,
um certo conformismo e alguma
ingenuidade nesse raciocínio, pois
seguramente Deus está acima dos
desejos e caprichos que caracterizam
nossa condição humana, mas
isso já seria objeto de discussão mais
ampla, que não cabe nos limites desta
resenha.
No texto referente ao dia 4 de janeiro,
Barbosa recupera o relato de
uma situação embaraçosa vivida pelo
“cavaleiro do Senhor”, que enfrentou
uma cirurgia em um testículo para
drenar o que foi diagnosticado como
hidrocele pelos médicos consultados.
Ainda que tenha sido cogitada
uma “cura radical” para o problema,
Wesley fez apenas a drenagem, pois
uma cirurgia maior o obrigaria a permanecer
em repouso por duas semanas,
e seria um impedimento para o
seu trabalho de organização e supervisão
dos pregadores metodistas. A
maneira como Barbosa trata a questão
retira a sombra do que poderia
vir a ser uma “fofoca”, um rumor acerca
da vida privada de Wesley, e insere-
a na consideração da importância
que a itinerância tinha para ele, o que
é uma solução elegante.
Alguns elementos das concepções
e indagações políticas de Wesley
também são apresentados ao longo
do livro. Sua preocupação com a lisura
dos que participavam das eleições
inglesas levou-o a escrever o
texto “A um eleitor”, cujo resumo
Barbosa apresenta no texto relativo
ao dia 10 de março. Basicamente,
Wesley recomenda a rejeição a qualquer
forma de cooptação da parte
dos candidatos aos que tinham o direito
de voto, na época, o que não era
seu caso. Suas recomendações aos
metodistas norte-americanos acerca
da Guerra de Independência, por sua
vez, enfatizam a conduta pessoal pacífica
no trato com representantes
das partes em litígio. Fica no ar a pergunta:
não eram os próprios metodistas
colonos que tiveram de se definir
diante da situação política ao seu redor?
A atitude cortês diante dos que
queriam a independência ou dos que
queriam a permanência da submissão
ao monarca britânico não poderia
se sustentar como indicativa da
neutralidade dos metodistas norteamericanos.
Ou seja, as orientações
de Wesley correspondem a uma mentalidade
que prioriza aspectos individuais
na produção de mudanças
coletivas. Sua compreensão de que é
um equívoco a idéia de que o povo é
a fonte do poder fundamenta-se no
questionamento do que vem a ser “o
povo” e na defesa de que Deus estabelece
as autoridades. Resulta disso
uma tentativa peculiar de harmonizar
o exercício da cidadania com preceitos
evangélicos para o relacionamento
interpessoal, o que permite a
147
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
R e v i s t a d e E d u c a ç ã o d o C o g e i m e ○ ○ ○ ○ ○ ○ A n o 12 - n0 22 - junho / 2003
Wesley condenar a escravidão, por
um lado, mas recusar grandes alterações
no formato de governo, como
ocorreu no caso da independência
das colônias inglesas na América, por
outro lado.
Dos traços de caráter de Wesley,
salienta-se a autodisciplina, nos vários
textos do livro aqui estudado.
Sua disposição em deitar-se e acordar
cedo, viajar a cavalo para pregar,
às vezes sob condições climáticas adversas,
visitar os membros das sociedades
metodistas, e até a decisão de
deixar de tomar chá demonstram a
ênfase wesleyana na necessidade de
controlar as próprias vontades e inclinações
para melhor servir a Deus.
Não se pode dizer, entretanto, que
Wesley era inflexível frente a situações
que não lhe eram razoáveis ou
compreensíveis. Atesta-se isso, por
exemplo, no relato correspondente
ao dia 12 de março, em que ele propõe
um método para certificar-se da
autenticidade de manifestações emocionais
ocorridas durante suas pregações.
Era rigoroso, contudo, na referência
às Escrituras Sagradas quando
se tratava de corrigir ensinos que
provocavam confusões, como aconteceu
com George Bell, que profetizou
o fim do mundo para o dia 28 de
fevereiro de 1763 e pregava que, uma
vez atingida a perfeição, o cristão não
mais pecava persistindo num estado
quase angelical.
Barbosa resgata histórias no mínimo
curiosas ocorridas no meio dos
metodistas, como a do homem que
pregava dormindo (2 de junho) e a
do homem que orava fervorosamente,
“desejoso de partir e estar com
Cristo” (16 de junho). A esposa deste
último percebe que o corpo do
marido estava endurecido, sem sentido
e sem movimento, numa madrugada.
Julgando-o morto, ora para que
Jesus devolva-lhe o marido, que abre
os olhos e resmunga que teria sido
melhor se ela o tivesse deixado partir,
atormentando-a durante vários
dias. Sofrendo com a situação, ela fala
de novo com Deus, dizendo que está
disposta a lhe entregar o marido. O
marido recobra então o entendimento,
beija-a, deita e morre. A história
da assombração que atormentava a
casa dos pais de John, em Epworth,
narrada em 13 de dezembro, fantasma
apelidado de “Velho Jeffrey”, desperta
atenção. Outro momento digno
de nota é a avaliação de Wesley
com relação à falta de hospitalidade
encontrada por ele entre os holandeses.
Para Wesley, aquilo extrapolava
os limites da descortesia, pois mesmo
na visita ao bispo Anton este não
lhe oferece sequer um copo d’água
para molhar os lábios (7 de junho).
O livro se encerra com um glossário.
Pouco antes, o texto reservado
para o dia 31 de dezembro resgata a
importância de Pedro Böhler para a
religiosidade de John Wesley, remetendo
quase que necessariamente os
leitores ao dia 24 de maio. Fica a sensação
de que contar “casos” sobre os
primeiros tempos do movimento metodista
pode ser uma boa estratégia
para reforçar os laços entre leigos e
clérigos do presente. “Adoro a sabedoria
de Deus” traz uma boa coletânea
daqueles “casos”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário