terça-feira, 27 de julho de 2010



Guiados por Deus; não pelos homens
Bispo Paulo Lockmann


1) Todos somos conduzidos.
Não gostamos de admitir, mas todos sofremos influência do meio em que vivemos. As influências vêm pelo ambiente, pelas pessoas que nos cercam, pelos meios de comunicação. Algumas dessas influências nós nem nos damos conta; apenas reagimos de acordo com aquele estímulo. Por exemplo, quando compramos uma sandália, muitos de nós pedimos uma havaiana, sem necessariamente nos darmos conta de estar pedindo uma marca e não o produto.
Assim, as influências afetam nosso comportamento. Os mais jovens sofrem influências que moldam a sua personalidade em formação.
Tais influências podem ser positivas ou negativas. Quando alguém nos trata mal, temos a tendência de receber e cultivar tais sentimentos negativos. Promovemos o ressentimentos, que é o cultivo de coisas ruins. Goeth, famoso poeta e escritor alemão, afirmou: “Nunca tive uma aflição que não se transformasse em poesia”. Isso é dar um direcionamento a tensão.
Nesta breve reflexão, queremos ajudar nossa liderança cristã a reagir de modo espiritualmente maduro às circunstâncias adversas, aos conflitos e ataques que sofremos de outras pessoas, em muitos casos irmãos e irmãs na fé.
Sabendo, irmãos/ãs, que nada, nem ninguém pode impedir que venhamos a sofrer nas mãos de terceiros, é uma contingência humana; atente ao que disse Davi:
“Com efeito, não é inimigo que me afronta; se o fosse, eu o suportaria; nem é o que me odeia quem se exalta contra mim: pois dele eu me esconderia; mas és tu, homem meu igual, meu companheiro, e meu íntimo amigo”.(Sl 55.12-13).
2) Sofrer injustamente: uma contingência bíblica.
Os sinais de um caráter cristão maduro são moldados em lutas e sofrimentos. Quase sempre o primeiro momento de uma luta, de um ataque injusto que sofremos, nos faz, inicialmente, pensar e reagir com a carne: “Vou ”dar o troco”, isso não vai ficar assim!”, dizemos nós. Se tomamos este caminho, multiplicamos nosso sofrimento; já dizia P. Bilheimer: “Não podemos evitar sofrer nas mãos dos outros. No entanto, em última análise, ninguém consegue ferir-nos a não ser nós mesmos”. Sim, nada que nos façam poderá nos fazer mal se entregarmos para Deus. Lembrem-se de Davi e Saul. Saul intentou de tudo contra Davi, mas Davi, mesmo sofrendo, entregou para Deus:
“Eu, porém, invocarei a Deus, e o SENHOR me salvará. À tarde, pela manhã e ao meio-dia, farei as minhas queixas e lamentarei; e ele ouvirá a minha voz. (Sl 55.16-17).
De fato, o que as pessoas tramam contra nós não poderá nos machucar a ponto de impedir os propósitos de Deus para a nossa vida, a menos que nós acolhamos tais ofensas e maus sentimentos, tornando-nos rancorosos e mal-humorados, tal reação fará de nós pessoas influenciadas pelos outros e não por Deus. A maturidade cristã é uma postura decisiva e resoluta em que nada nem ninguém vai determinar o meu comportamento, senão o Senhor e a sua palavra. Isso significa também que Deus pode, sim, usar pessoas para isso, conforme a sua vontade soberana.
Consideremos ainda aqui o conselho do Apóstolo Pedro:

“Pois que glória há, se, pecando e sendo esbofeteados por isso, o suportais com paciência? Se, entretanto, quando praticais o bem, sois igualmente afligidos e o suportais com paciência, isto é grato a Deus. Porquanto para isto mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos”. (1 Pe 2.20-21).
Como evitar ser tomado pela amargura e ressentimento? Sabendo que há um clamor da carne da nossa natureza humana. Você quer confiar em Deus, mas fica preso pela tristeza. Assim se sentiu Elias quando Jezabel o ameaçou de morte, Elias foi para o deserto e pediu para Deus levá-lo (cf. 1 Rs 19.2,4), mas Deus tinha outros planos.
3) Reagindo com fé e amor e imitando o Senhor.
Nestes momentos, não temos escolha; temos que perseverar com fé, pois o contrário é o desistir e ser derrotado, e ninguém quer este caminho.
Como Paulo ensinou à igreja de Corinto:

“E eu passo a mostrar-vos ainda um caminho sobremodo excelente. Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine”. (1 Co 13.1)

Sim é o caminho de Deus, em qualquer outro caminho, não encontraremos a bênção de um coração livre de amargura e rancor. Com amor, seguimos a influência de Deus, e não de quem nos ofendeu.

Precisamos enfatizar que o caminho do amor não é o caminho do sentimento. Nós somos sentimentos, agimos por sentimentos, mas amor é muito mais que sentimentos. Nossos sentimentos nos enganam, são emoções que, por mais fortes que sejam, passam ou mudam. O amor é mandamento e princípio, sim um princípio de vida, uma ordenança de Jesus:

“Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos. Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo? Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste.” (Mt 5.43-48).

Vejam que o ensino de Jesus sobre o amor radical é o caminho para a perfeição cristã, ou seja, a maturidade de um discípulo(a) que não anda segundo os homens, mas segue o amor de Deus, afinal quer ser: “... perfeito como perfeito é o nosso Pai que está no céu.”

Uma das obras clássicas do Cristianismo é 
A Imitação de Cristo, de Tomás de Kempis, obra que influenciou muito João Wesley e a sua visão de santidade. Na abertura dessa obra, nos diz Tomás de Kempis: “Quem me segue não anda nas trevas, diz o Senhor” (Jo 8.12) . São estas as palavras de Cristo pelas quais somos advertidos que imitemos sua vida e seus costumes, se verdadeiramente queremos ser iluminados e livres de toda cegueira de coração. Seja, pois, o nosso principal empenho meditar sobre a vida de Jesus Cristo. Irmãos e irmãs, neste caminho sob a influência de Jesus não há tropeço, há, sim, vitória e maturidade cristã.

Por tudo isso é que afirmamos ser o discipulado o aprendizado de deixar a influência e caminho do homem, e escolher o caminho de Deus, e de sua Palavra.

Deus vos abençoe.

terça-feira, 6 de julho de 2010

A Igreja que queremos


A nobreza da comunidade hermenêutica (At 17.1-15)
(Ao professor, teólogo e amigo, Dr. Juan Stam, com gratidão pelas suas
ricas orientações hermenêuticas)
Luiz Carlos Ramos
Introdução
Permitam-me recontar-lhes, resumidamente, a conhecida Parábola
dos urubus e os pintassilgos: Certa feita, os urubus tomaram
o poder na floresta e impuseram seu estilo de vida a todos os animais.
Sua culinária, sua moda, sua estética e mesmo suas preferências
musicais tornaram-se o padrão e a referência para todos. Os pintassilgos,
muito cordatos, esforçavam-se sobremaneira para corresponder
às exigências dos urubus. Entretanto, os pobres pintassilgos
não conseguiam se acostumar com o cardápio de carniça que deveria
substituir sua dieta de frutas, tão pouco conseguiam andar como os
urubus, reproduzir-lhe os requebros e os grunhidos que os urubus
chamavam de música. Observando os desajeitados pintassilgos, os
urubus concluíram sumariamente: “Não adianta. Um pintassilgo
sempre será um urubu de segunda categoria”.
Esta estória, escrita por Rubem Alves, demonstra muito bem
como todos nós procuramos modelos para pautar nosso estilo de vida.
E os há de toda espécie. Uns mais para urubus, outros mais para
pintassilgos. Obviamente, alguns desses modelos nos fascinam e
seduzem.
Entretanto, o povo chamado metodista tem nas Escrituras e no
testemunho dos primeiros cristãos o referencial para sua fé e para sua
prática. E esta é uma oportunidade privilegiada para refletirmos sobre
nossa identidade e decidirmos sobre a igreja que queremos. Um
slogan de fundo positivista, aludindo ao que é ou não possível, reza:
se podemos sonhar algo, então podemos realizá-lo! Se isso for verdade,
só poderemos construir a igreja ideal se, primeiro, pudermos
imaginá-la. Esta é nossa pretensão: a partir do texto lido, idealizar a
igreja da qual teríamos orgulho.
No texto de Atos 17, o autor deixa transparecer um juízo de valor
que apresenta a Igreja em Beréia como sendo mais nobre que a de
Tessalônica. Numa leitura atenta, podemos ver como a comunidade
de Tessalônica se mostrou invejosa, intolerante, violenta, incapaz de
fazer auto-crítica, hipócrita, incoerente, manipuladora, corrupta entre
outras “qualidades”. Tessalônica era a comunidade da qual teríamos
vergonha. Mas, a poucos quilômetros dali, uma outra igreja entrou
para a história, pela pena de Lucas, recebendo os elogios que toda
igreja gostaria de receber para si. Vejamos, então, quais as características
que fizeram de Beréia uma igreja mais nobre. Primeiramente,
Beréia era
Uma comunidade aberta
Uma igreja aberta é:
Dialógica: Beréia, ao contrário de Tessalônica, era uma comunidade
aberta ao diálogo, pois está registrado que ela acolhe Paulo e
Silas e se dispõe a conversar com eles (dieleksato). Em Tessalônica
havia ordens, leis e condenações. Em Beréia: conversa, diálogo e
respeito.
Ávida da Palavra: A comunidade de Beréia tinha sede da Palavra
de Deus encarnada (cf. v. 11b: “receberam a palavra com toda
avidez”). Em Tessalônica a Palavra de Deus era ocultada pela tradição.
Em Beréia a Palavra inovadora de Deus fecundava e dinamizava
a tradição.
Acolhedora do novo: Disposta a ouvir as novidades trazidas
pelos missionários, a comunidade de Beréia estava aberta a novas
experiências e a novos desafios (cf. v. 11b). Enquanto Tessalônica
prendia, torturava e expulsava seus profetas, a comunidade de Beréia
os acolhia, protegia e sustentava.
Mas, mais do que aberta, Beréia era
Uma comunidade madura
Uma igreja madura é:
Crítica (com senso crítico): Os bereianos e bereianas estavam
abertos para as novidades, mas sem ingenuidade. Queriam conferir
tudo nas Escrituras para ver se as cousas são de fato assim (cf. v.
11c). Se, por um lado Tessalônica rejeita, de saída, a mensagem dos
missionários, os bereianos estão longe de, simplesmente, engolirem
qualquer “sapo”. O grande cientista Karl Sagan costumava dizer:
“devemos ter a mente aberta, mas não tão aberta a ponto do cérebro
cair para fora”. Por isso a comunidade de bereia não vai atrás de
qualquer novidade, não se ilude com a moda religiosa, não se embriaga
com as novidades das paradas de sucesso, nem se deixa enganar
por eloqüentes animadores de auditório. Diante da novidade propõem:
“Vamos ver se as coisas são de fato assim, vamos conferir nas
Escrituras Sagradas”.
Atualizada (preocupada com sua “reciclagem”): A expressão
“dia-a-dia” mostra como eles liam e reliam as Escrituras aplicando-as
ao seu contexto e à sua vida, atualizando a sua mensagem para o dia
de “hoje”. A Palavra não foi feita para ser lida apenas, dizia um velho
pastor, mas para ser estudada. No início, nos alimentamos com
leite, mas depois precisamos de alimento sólido para crescermos em
estatura (quantidade) e graça (qualidade).
Constante (com uma fé que vai além do ritual formal do fimde-
semana): Enquanto os de Tessalônica só se reuniam nos sábados,
os bereianos viviam sua fé todos os dias. Tessalônica se ocupava das
Escrituras uma vez por semana, mas a comunidade de Beréia a vivia
todos os dias e buscava nas Escrituras a orientação necessária para
viver a vontade de Deus diariamente.
E porque era aberta e madura, Beréia era
Uma comunidade missionária
Uma igreja missionária é:
Ortoprática: A comunidade de Beréia não somente era ortodoxa
(conhecia sua tradição), era, também, ortoprática, i.e., todos viviam
de acordo com o que criam. Havia uma coerência e uma conseqüência
entre fé e prática (cf. vv. 12 e 14-15).
Organizada: Expressões como “promoveram sem detença...” e
“os responsáveis por Paulo levaram-no...” mostram como os bereianos
eram articulados, habilidosos, eficientes e ágeis na ação missionária.
Se tivessem uma estrutura excessivamente pesada, dependendo
de complicados conchavos políticos e intrincadas votações em onerosas
assembléias, talvez a missão de Paulo e Silas tivesse sido abortada
no capítulo 17 do livro de Atos.
Solidária: Diante da perseguição promovida pelos intolerantes
tessalonicenses, os bereianos não se eximiram de suas responsabilidades,
não lavaram simplesmente as mãos, antes, arregaçaram as
mangas para proteger, financiar e promover Paulo, Silas e Timóteo.
Assim fazendo, promoviam, em última instância, a própria ação missionária
da Igreja.
Conclusão
Afinal, que tipo de Igreja queremos ser? Qual a nossa mais legítima
identidade? Quando simplesmente copiamos estranhos modelos,
perdemos nossa identidade e passamos a ter vergonha do nosso
nome, mas se revitalizarmos nossa tradição à luz da Palavra de Deus,
teremos orgulho de sermos o que somos – e, talvez, descubramos,
afinal de contas, que não é tão ruim, assim, ser pintassilgo. A conversão,
verdadeiramente impressionante para nossos dias, seria a de nossas
comunidades serem menos Tessalônica e mais Beréia: Uma comunidade
que tem nas Escrituras Sagradas seu mais forte referencial.
Uma verdadeira e nobre comunidade hermenêutica: aberta, madura e
missionária.
Assim Deus nos ajude!